MUNICIPALIZAÇÃO DO TRÂNSITO

A Lei Federal 9.503 de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro - CTB prevê a divisão de responsabilidades, no âmbito do trânsito, entre os entes federados atribuindo competências para União, Estados e Municípios. A grande novidade do CTB é exatamente a redivisão de competências entre o estado e o município, sendo que este último, em relação ao código anterior, passou a ser o protagonista. Sendo a Prefeitura quem autoriza o uso do solo, ela é a responsável pelo trânsito que gera, portanto, o município para atuar nesta área deverá se integrar ao Sistema Nacional de Trânsito criando um órgão executivo de trânsito no âmbito de sua circunscrição e a Junta Administrativa de Recursos de Infrações - JARI. Este processo recebe o nome de Municipalização do Trânsito o qual deverá atender certas exigências. A municipalização não é opção, é obrigação.
O órgão municipal executivo de trânsito, previsto no artigo 8º, do CTB e Resolução nº 296/08-CONTRAN que substituiu a Resolução 106/99-CONTRAN, deverá possuir uma estrutura que permita desenvolver atividades de engenharia de tráfego, fiscalização de trânsito, educação de trânsito e controle e análise de estatística. Junto a este órgão de trânsito, deve funcionar a Junta Administrativa de Recursos de Infrações - JARI, órgão colegiado responsável pelo julgamento dos recursos interpostos contra penalidades impostas pelo órgão executivo de trânsito, em conformidade com a Resolução 233/07-CONTRAN.
Araguari tentou em 2008 a se integrar ao Sistema Nacional de Trânsito - SNT criando por meio da Lei 4.361/08 a Coordenadoria Municipal de Trânsito e Transportes – CMTT, a Junta Administrativa de Recursos e Infrações – JARI, o Fundo Municipal de Trânsito e Transportes – FMTT e alterando a estrutura administrativa da Secretaria de Serviços Urbanos extinguindo a Divisão de Transportes e Trânsito.
Tudo parecia perfeito e dentro das exigências previstas no CTB. Porém, quando foi enviado ao DENATRAN para proceder a integração, várias irregularidades foram elencadas pela funcionária Rosemeire Amaral, do DENATRAN.
Os maiores problemas observados pelo DENATRAN foi em relação a composição da JARI. Pela Resolução 233/07-CONTRAN a composição da JARI deverá contar com no mínimo 3 membros, sendo um integrante com conhecimento na área de trânsito com, no mínimo, nível médio de escolaridade; um representante servidor do órgão ou entidade que impôs a penalidade; um representante de entidade representativa da sociedade ligada à área de trânsito; facultada a suplência.
O art. 4° da Lei Municipal 4.361/08 define a composição da JARI que seria adotada:

(...)Art. 4º - Na organização da JARI deverá ser observada a composição paritária e o trabalho de seus membros será considerado serviço público relevante.
§1º - A JARI será constituída por sete (7) membros titulares e sete (7) suplentes, a saber: um (1) membro indicado pelo Executivo Municipal; dois (2) membros da sociedade civil, que representem os condutores de veículos; um (1) representante da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB – 47ª Subseção de Araguari; um (1) representante da Polícia Civil; um (1) representante da Polícia Militar; um (1) representante da Associação dos Engenheiros de Araguari. (...)

De acordo com Rosemeire Amaral (DENATRAN) essa composição não atendia ao que versa a Resolução 233/07-CONTRAN, com as seguintes irregularidades:

“Na Lei 4.361, art. 4°, onde dispõe sobre a composição da JARI, informamos: este não obedece a Resolução 233/07 (anexa), constatamos que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem representatividade na Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI) desse município, entretanto, informamos que, de acordo com o parecer da Coordenação Geral de Instrumental Jurídico e da Fiscalização do DENTARAN (anexo), é vedada a participação da OAB na JARI, conforme decorre a lei que a instituiu – Lei 8609/94, posto que as finalidades da OAB são incompatíveis com as atribuições da JARI, conforme lei  anexo, informamos também que a Polícia Civil de acordo com o art. 7° do Código de Transito – CTB, não compõe o Sistema Nacional de Trânsito, tendo suas competências elencadas no art. 144 § 4° da Constituição Federal; como se segue: “As polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, neste caso, a Polícia Civil não poderá fazer parte da composição da JARI, também a Polícia Militar, pelo menos até que o município realize concurso público para contratar seus Agentes de Trânsito próprios, neste caso não poderá o policial aplicar a multa e julgá-la ao mesmo tempo.”

Com esse parecer, Rosemeire Amaral sugeriu a revogação do art. 4° do Regimento Interno da JARI, aprovado pelo Decreto n° 009/08:

“Art. 4° - A Junta Administrativa de Recursos de Infrações – JARI será constituída de sete (7) membros titulares e sete (7) membros suplentes, assim discriminados:
I – Um (1) membro titular e respectivo suplente, detentores de conhecimento na área de trânsito, com escolaridade, no mínimo, de nível médio completo, a serem indicados pela 47ª Subseção de Araguari da Ordem dos Advogados do Brasil.
II – Três membros titulares e respectivos suplentes, representantes de órgãos ou entidades ligadas a áreas interessadas na imposição da penalidade, a serem indicados, um, pela Delegacia Regional da Polícia Civil em Araguari, outro, pela 9ª Companhia Independente da Polícia Militar de Minas Gerais, com sede nesta cidade, e o restante, pela Coordenadoria Municipal de Trânsito e Transportes – CMTT.
III – Três membros titulares e respectivos suplentes, representantes da comunidade araguarina, ligados aos interesses do trânsito e dos condutores de veículos, a serem indicados, um, pela Associação Comercial, Industrial, Agropecuária e de Serviços de Araguari – ACIA,  o outro, pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Araguari – CDL e o restante, pela Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Araguari – AEAAA.”

Irregularidades deste art. 4° do Regimento Interno da JARI:

- Os membros (titulares e suplentes) discriminados no inciso I do art. 4° não podem representar nenhuma entidade, devendo ser pessoa física com conhecimento na área de trânsito com no mínimo nível médio de escolaridade;
- Os membros (titulares e suplentes) discriminados no inciso II do art. 4° deverão ser representantes do órgão que impôs a penalidade, ou seja, do órgão executivo de trânsito, neste caso a CMTT, desde que não fosse a autoridade de trânsito, pois quem aplica a penalidade não pode julgá-la;
- Os membros (titulares e suplentes) discriminados no inciso III do art. 4°, devem ser todos de uma única entidade representativa ligada a área de trânsito e na inexistência desta, os membros deverão ser servidores públicos habilitados integrantes de órgãos diferentes daquele que impôs a penalidade, ou seja, do órgão executivo de trânsito.
Após essa constatação, o art. 4° da Lei 4.361/08 foi alterado pela Lei 4.429/08, que mudou a composição da JARI, ficando assim:
“Art. 4° -...
§ 1° - A JARI será constituída por três (3) membros titulares e três (3) membros suplentes, nos termos do item 4 do anexo à Resolução n° 233, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, de 30 de março de 2007, a saber:
I – um integrante e respectivo suplente, devendo ambos ter conhecimento na área de trânsito e, no mínimo, nível médio de escolaridade;
II – um representante da Coordenadoria Municipal de Trânsito e Transportes – CMTT e respectivo suplente, ambos servidores desse órgão público;
III – um representante da Associação Comercial, Industrial, Agropecuária e de Serviços de Araguari – ACIA, entidade representativa da sociedade local, com interesse também na área do trânsito, e respectivo suplente, ambos pertencentes a essa entidade.”

Mesmo o art. 4 da Lei 4.361/08 ter sido alterado pela Lei 4.429/08, o art. 4° do Regimento Interno da JARI não foi alterado, permanecendo as incongruências.
Outro fato irregular elencado foi a JARI, funcionar, de acordo com o art. 2° do Regimento Interno da JARI, junto a Coordenadoria Municipal de Trânsito e Transportes –CMTT e a Secretaria de Serviços Urbanos, sendo que no art. 1° da Lei 4.361/07 que cria a CMTT, diz que ela possui status de secretaria e é subordinada diretamente ao Prefeito. Portanto, o órgão executivo de trânsito deveria ser a CMTT e a JARI vinculada somente a ela tendo apoio administrativo e financeiro para o exercício de suas atribuições.
O Decreto n° 012/08 atribuiu a função de Autoridade de Trânsito do Município de Araguari ao Secretário de Serviços Urbanos, órgão que não tem nada haver com o trânsito após o município se integrar ao Sistema Nacional de Trânsito - SNT, sendo que quem deveria assumir esta função seria o Coordenador da CMTT.
A estrutura administrativa da CMTT não contemplava a competência dos departamentos ou divisões para desenvolver as atividades de engenharia de tráfego, fiscalização de trânsito, educação de trânsito e controle e análise de estatística e não previa nenhum tipo de convênio com órgãos públicos ou privados para desempenhar tais funções.
Para finalizar, os agentes de trânsito que atuaram na época na fiscalização e operação do trânsito não poderiam estar atuando, pois, o município não estava integrado ao SNT e estes agentes só poderiam cumprir suas atribuições se tivessem passado por um concurso público para o cargo específico. Enquanto não fosse realizado o concurso para os agentes de trânsito, o município deveria firmar um convênio com a Polícia Militar de Minas Gerais para atuarem na fiscalização e operação do trânsito, após a conclusão do processo de municipalização e integração ao SNT.
Portanto, mais uma vez leis foram criadas, dinheiro foi gasto, tempo foi perdido, funcionários do quadro da prefeitura que exerciam outras funções, foram desviados, receberam treinamento e foram para as ruas vestidos de agentes de trânsito de forma irregular. Além disso, nomearam um Secretário para exercer a função de autoridade de trânsito sem ter vínculo algum com a CMTT, bem como, formaram a JARI com representantes impossibilitados por força de leis maiores.
Até quando Araguari será tratada como uma currutela?

Um comentário:

  1. Eu não conhecia essa situação em detalhes.
    Conhecendo-a, agora, posso afirmar: o que se fez em Araguari é um rematado absurdo. Gastamos tempo e dinheiro, mas não saímos do lugar.
    Se houver político sério no comando da cidade, o problema poderá ser facilmente resolvido. Basta ler o texto do Alessandre, fazer as correções necessárias nas normas e implementar a denominada municipalização do trânsito. Caso contrário, nos manteremos no status nada agradável de currutela.

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